Kaingang retomam autonomia agrícola após 15 anos de violações no Paraná
Após mais de 15 anos de arrendamentos ilegais em seu território, o povo Kaingang da Terra Indígena Ivaí, localizada no município de Manoel Ribas (PR), conquista um marco histórico em sua luta por autonomia: a formalização de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que coloca fim à exploração agrícola por terceiros e inaugura um novo ciclo de gestão agroecológica feita pelos próprios indígenas.
O acordo foi firmado no dia 29 de abril com a presença da presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, lideranças do povo Kaingang, representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Associação Comunitária Indígena Laranjal (Acil). A decisão partiu da escuta direta da comunidade, por meio de consulta livre, prévia e informada — direito garantido aos povos indígenas, mas frequentemente desrespeitado.
Durante anos, contratos firmados sem legitimidade legal permitiram que o agronegócio ocupasse e explorasse parte da TI Ivaí, em flagrante descumprimento da Constituição Federal e da Lei do Estatuto da Terra, que garantem o usufruto exclusivo das terras indígenas. Essa prática, imposta à revelia da comunidade, resultou em danos sociais, culturais e ambientais profundos, além de ameaçar a posse territorial do povo Kaingang.
Agora, com o TAC, os contratos ilegais são oficialmente reconhecidos como nulos e devem ser encerrados de imediato. No lugar da exploração externa, será implantado o Projeto Comunidade Indígena Ivaí-Grónum, financiado com recursos da Renda do Patrimônio Indígena. A proposta parte da lógica do bem viver, com fortalecimento da soberania alimentar e produção orientada pela agroecologia e pelos modos de vida do povo Kaingang.
Para 2025, está previsto o cultivo coletivo de 300 hectares com milho, mandioca, feijão preto e carioca. Também será feita a correção do solo com calcário, e adquiridos equipamentos agrícolas — como plantadeira, trator, debulhador — além de dois veículos para fortalecer a logística comunitária. Um intercâmbio com o povo Terena, referência no cultivo da mandioca, também foi acordado, marcando a articulação entre territórios e o protagonismo do conhecimento indígena.
A transição prevê ainda a contratação de um engenheiro agrônomo que atuará como técnico da comunidade, respeitando as decisões coletivas e o plano de manejo cultural. O TAC estabelece regras claras: não será permitido o uso de transgênicos, nem o desmatamento de novas áreas. O uso de defensivos agrícolas será rigidamente controlado e as lavouras deverão manter distância mínima de 250 metros das moradias.
Outro ponto do acordo é a repartição justa dos frutos da produção entre as famílias indígenas, decidida em assembleia. Benfeitorias erguidas de forma ilegal por não indígenas no território serão revertidas ao patrimônio da União, ficando sob usufruto da comunidade Kaingang.
O TAC terá vigência inicial de três anos, com possibilidade de prorrogação, e será monitorado pela Funai e pelo MPF. Mais do que um documento jurídico, o acordo representa um passo na reparação de violações históricas e na retomada da autonomia territorial, produtiva e política dos povos originários.
Para o povo Kaingang da TI Ivaí, trata-se de muito mais do que uma mudança de modelo agrícola: é a reconstrução do território como espaço de resistência, de vida e de futuro.