Neocolonialismo Verde no Amazonas: Projeto de Crédito de Carbono Ignora Comunidades e Pode Custar R$ 10 Milhões em Indenizações
Um contrato milionário selado sem ouvir os verdadeiros donos da floresta. É isso que está em jogo na ação movida pelo Ministério Público Federal contra a empresa britânica Go Balance e o município de Borba, no Amazonas. O MPF cobra uma indenização de R$ 10 milhões por danos causados a comunidades tradicionais afetadas pelo projeto de créditos de carbono Trocano Araretama, firmado em 2020 sem consulta livre, prévia e informada — direito garantido em legislações nacionais e tratados internacionais.
A área do projeto, que ocupa impressionantes 1,36 milhão de hectares da floresta amazônica (nove vezes o tamanho da cidade de São Paulo), abriga mais de 10 mil pessoas. São ribeirinhos, agricultores familiares e comunidades tradicionais que, segundo o MPF, sequer foram devidamente informados sobre os lucros gerados pela venda de créditos de carbono nem sobre a possibilidade de repartição dos benefícios.
Mais grave ainda: perícia técnica revelou que 85% da área do projeto se sobrepõe a terras públicas — sendo mais da metade sob jurisdição federal — incluindo unidades de conservação e assentamentos da reforma agrária. Mesmo assim, nenhum órgão público titular dessas terras foi envolvido ou sequer consultado. Há ainda a vizinhança de territórios indígenas não mencionada nos planos do projeto.
O caso escancara os riscos do mercado de carbono na Amazônia: um sistema que, sob a fachada de “solução climática”, pode facilmente virar instrumento de exploração de territórios e povos. Embora a legislação brasileira mais recente (Lei 15.042/2024) reconheça a titularidade dos créditos às comunidades indígenas e tradicionais que vivem nas áreas de projetos ambientais, o que se vê no Amazonas é a velha história da colonização reeditada sob a máscara verde.
A empresa britânica Go Balance, por sua vez, rejeita todas as acusações. Em nota, afirma que houve consultas públicas nos anos de 2013 e 2019 e que comunidades participaram do planejamento. Também defende que realizou investimentos sociais na região e que a ação do MPF ignora “impactos positivos” do projeto. A Prefeitura de Borba, parceira no acordo, não se pronunciou.
Para os povos da floresta, a venda de carbono sem escuta e sem partilha é mais um capítulo do extrativismo disfarçado de economia verde. O caso segue em análise judicial, mas já aponta para um cenário alarmante: a floresta corre o risco de ser loteada por interesses externos enquanto as comunidades que cuidam dela há séculos seguem sendo tratadas como invisíveis.