A Kaapora é a voz das matas contra o genocidio
I. Nascemos como Grito da Floresta
A Caipora não nasceu em salas de reunião, nem de um plano editorial neutro: nasceu do chão da floresta, do silêncio cortado pelo grito dos que resistem. Nasceu das cinzas ainda quentes de malocas incendiadas, dos rios contaminados pelo garimpo, dos cantos interrompidos por retroescavadeiras. Nasceu como o eco de um chamado antigo — o chamado dos encantados, dos espíritos da mata, dos antepassados que sopram em nossos ouvidos: comuniquem-se, protejam, resistam.
Assumimos o nome da Caipora não como alegoria, mas como responsabilidade espiritual. Essa figura mítica — caçadora de caçadores, protetora das matas, senhora dos caminhos — é mais do que um símbolo: é uma ética de atuação. Assim como ela vigia os rastros na mata, nós vigiamos os rastros da violência, do apagamento, da mentira. Como ela confunde o invasor, nós desorientamos as narrativas coloniais. Como ela protege os seres da floresta, nós protegemos os relatos de quem nela vive.
Vivemos num tempo em que o colonialismo mudou de forma, mas não de lógica. A grilagem de terras ancestrais agora vem acompanhada por drones. A catequese se camufla em ONGs e universidades. O agronegócio pinta de verde seus venenos. E as mídias tradicionais, ainda hoje, silenciam ou distorcem as vozes indígenas. Em meio a isso, Caipora é uma insurgência comunicacional: ocupamos a palavra como se ocupa território.
Este grito nasce contra o esquecimento — histórico, ambiental, simbólico. Ele se opõe à tentativa constante de nos apagar da narrativa nacional. A cada árvore derrubada, a cada território tomado, a cada criança impedida de aprender sua língua, o Brasil tenta sepultar nossa existência. Mas nós estamos vivos. E nosso grito rasga o véu do silêncio imposto.
Caipora não é uma plataforma sobre os povos indígenas. É uma plataforma dos povos indígenas, feita por comunicadores indígenas que falam a partir de seus corpos-território. Nossos instrumentos são as câmeras, os microfones, os grafismos, as palavras — mas também o canto, o sonho, a memória e o silêncio ritual.
Nosso grito não é desesperado — é certeiro. Ele aponta e denuncia, mas também convoca. Porque este grito não quer eco vazio, quer resposta. Quer aliança. Quer ação.
II. Comunicação como Ato de Proteção
Para os povos indígenas, comunicar nunca foi apenas informar. Comunicar é partilhar sabedoria, fortalecer o coletivo, preservar a vida. É sentar ao redor do fogo e ouvir os mais velhos. É entoar cantos que despertam os encantados. É grafar a pele com histórias. É sonhar junto, em palavras, o futuro.
Na Caipora, compreendemos a comunicação como um território sagrado. Um território em disputa. Um território que, como nossas terras, precisa ser demarcado, protegido, cultivado e reencantado. Por isso, nosso fazer comunicacional é um ato de proteção.
Protegemos nossos saberes, nossas histórias, nossas vozes. Protegemos contra o esquecimento, contra a distorção, contra a apropriação. Vivemos em um país que, há mais de 500 anos, tenta apagar nossos nomes, nossas línguas, nossos espíritos. E uma das ferramentas mais eficientes desse apagamento sempre foi a palavra do outro — aquela que nos fala sem nos escutar, que nos representa sem nos consultar, que nos define para nos controlar.
A mídia hegemônica sempre foi cúmplice desse projeto de silenciamento. Quando não nos ignora, nos transforma em estereótipos: o “índio exótico”, o “selvagem pacificado”, o “obstáculo ao progresso”. Quando não nos criminaliza, nos romantiza. Quando não nos vitimiza, nos transforma em objeto de consumo cultural. E assim, camuflada sob a fantasia da “imparcialidade”, reforça a colonialidade.
Por isso, comunicamos com o corpo inteiro. Porque cada matéria é uma oferenda, cada fotografia é um ato de memória, cada podcast é um ritual de escuta. Comunicamos para proteger as crianças que ainda não nasceram, os encantados que ainda não se revelaram, os territórios que ainda lutam por reconhecimento.
Inspirados pela Caipora, que não descansa diante da invasão, também não nos calamos diante da mentira. Como ela protege a floresta dos olhos gananciosos, nós protegemos as narrativas dos olhos coloniais. Denunciamos, sim — mas também curamos, reconstruímos, recontamos. Porque a palavra também pode ser remédio.
Nosso compromisso é com a verdade ancestral — aquela que não se mede apenas com documentos, mas com coerência espiritual. A verdade que brota da terra e se espalha como raízes.
III. Decolonizar para Existir
Decolonizar não é metáfora. É luta cotidiana. É rasgar os véus da história contada pelos invasores e reescrevê-la com a tinta dos que sobreviveram ao fogo, ao aço e à cruz. É reocupar o tempo, o território e a palavra. É quebrar os espelhos nos quais nos fizeram ver apenas a imagem do outro, para enfim nos reconhecermos em nossa própria inteireza.
Na Caipora, decolonizar é existir — porque nossa existência, enquanto povos indígenas, sempre foi um escândalo para a lógica colonial que nos queria silenciados, assimilados ou extintos. Existir, em nossos corpos, em nossas línguas, em nossos modos de comunicar e sonhar, é um gesto político, espiritual e radical.
Romper com o pensamento único
A comunicação que aprendemos a fazer não nasceu apenas em laboratórios ou universidades. Nasceu no tronco do jatobá, no som da maraca, no choro do parto dentro da maloca. Enquanto a ciência ocidental dizia que a floresta era “recursos naturais”, nossos pajés ensinavam que ela era parente, mãe, espírito. Enquanto a mídia dominante falava em “civilizar o índio”, nós já sabíamos que viver bem era viver com a Terra, e não contra ela.
Decolonizar, portanto, é romper com o monopólio da verdade. É desafiar a ideia de que só há uma forma legítima de conhecer, pensar e narrar o mundo. É recusar a separação entre corpo e território, entre razão e encantamento, entre cultura e natureza.
Saberes vivos, vozes encarnadas
Valorizamos as epistemologias indígenas não como “alternativas”, mas como saberes fundadores. Saberes que sobrevivem porque não foram encerrados em livros, mas circulam em cantos, danças, ritos, sementes e cicatrizes. Cada fala que publicamos é parte dessa rede viva. Cada imagem carrega consigo uma história que atravessa gerações.
Decolonizar também é retomar a autoria de nossas próprias narrativas. Nossos povos sempre foram falados por outros — pelo jesuíta, pelo antropólogo, pelo jornalista branco. A Caipora quebra esse ciclo. Aqui, os comunicadores indígenas são voz, gesto, câmera, palavra. Aqui, a notícia não chega de fora para dentro: nasce de dentro, enraizada.
Estética contra o apagamento
Descolonizamos também pela forma. Não nos limitamos a copiar os modelos gráficos, visuais e editoriais da branquitude midiática. Criamos com grafismos, com ritmos ancestrais, com a respiração da floresta. Nossa diagramação não é linear — é circular como as assembleias, orgânica como os rios. Nossa paleta de cores é feita de terra molhada, urucum, jenipapo e sangue ancestral.
Descolonizar é também curar
Descolonizar é retirar os espinhos da colonização que seguem cravados em nossas subjetividades. É curar os efeitos do racismo, da inferiorização, da imposição de padrões externos. E é curar também os não indígenas, libertando-os da fantasia do “progresso” baseado na destruição.
A comunicação da Caipora é esse território de cura — porque reconectar-se com a palavra verdadeira, com o saber ancestral, com a beleza rebelde dos povos originários, é o primeiro passo para um mundo em equilíbrio.
Existimos. Resistimos. Contamos. E o que contamos transforma.
Narrativas de Luta e Esperança
Não nos limitamos a denunciar. A floresta também é lugar de renascimento e força. Cada edição será uma celebração da vida que insiste em florescer, mesmo diante da violência.
Queremos destacar:
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- Experiências de resistência e reexistência (como as culturas indígenas se reinventam).
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- Pontes entre mundos, levando ao público histórias de luta, mas também de renovação e esperança.
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- Celebrações — festas tradicionais, rituais sagrados, novas gerações que defendem suas raízes.
A Comunicação como Território de Luta
A comunicação não é neutra. É um campo de disputa de poder. Escolhemos ocupá-la com narrativas insurgentes, críticas e comprometidas com a justiça social e ambiental. Cada palavra e imagem publicada será uma semente de transformação.
Assim como a Caipora percorre a floresta para proteger, nós percorremos os caminhos da comunicação para denunciar injustiças e resgatar histórias esquecidas. Nossa presença editorial é um ato de ocupação: ocupamos a palavra, a imagem e o espaço público como forma de resistência.
Chamado para Ação
O “Chamado da Floresta” é uma convocação para quem acredita na transformação. Não publicamos apenas para informar, mas para engajar, mobilizar e inspirar ação.
Queremos que nossos leitores:
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- Protejam florestas.
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- Apoiem comunidades indígenas.
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- Combata sistemas de exploração.
Seremos uma plataforma de articulação entre movimentos sociais, ambientalistas, comunicadores e educadores comprometidos com a defesa da Terra.
Publicamos porque contar histórias também é proteger a vida.
IV. Vozes Plurais, Olhares Raiz
A floresta não fala com uma só voz. Ela sussurra com o vento, canta com os pássaros, murmura com os rios e ressoa nos tambores das aldeias. Cada árvore, cada ser vivo, cada povo guarda um modo singular de sentir, pensar e narrar o mundo. É nessa diversidade sagrada que a Caipora finca suas raízes.
Vozes plurais não são apenas múltiplas — são divergentes, dissonantes, complementares. Reunimos olhares que brotam de territórios distintos, mas que se entrelaçam numa mesma luta: existir com dignidade, narrar com liberdade, comunicar com autonomia.
Contra o pensamento único: insurgência das narrativas coletivas
Rejeitamos o monólogo colonial que padroniza, hierarquiza e silencia. Na Caipora, toda voz que brota da terra tem o mesmo valor que uma voz formada nas universidades. Aqui, o conhecimento da anciã que canta para espantar os males vale tanto quanto a análise política; o grafismo ritual vale tanto quanto a fotografia documental. Todos são formas de narrar, todos são caminhos de sabedoria.
Celebramos a diversidade de:
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- Povos indígenas de diferentes etnias, histórias e territórios;
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- Comunidades quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e camponesas;
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- Mulheres indígenas, jovens lideranças, anciões, LGBTQIAPN+ originários;
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- Línguas originárias, dialetos e expressões espirituais que resistem.
Essa pluralidade não é um ornamento. É a estrutura viva da comunicação decolonial que praticamos. Cada edição da Caipora é uma aldeia viva de vozes, onde as palavras se encontram, dançam e constroem sentidos em comum.
Olhares enraizados na memória e no chão
Nossa perspectiva não é aérea. É da terra. Somos comunicação que se arrasta com os bichos, que dorme em rede, que observa a noite, que dança em roda. Nossos olhares são raiz — fincados em contextos, experiências, cosmologias.
Isso se expressa em cada elemento da produção editorial:
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- Reportagens que partem do território e não da pauta imposta.
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- Fotografias feitas por comunicadores indígenas ou em coautoria respeitosa.
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- Textos que respeitam o tempo da escuta e da consulta coletiva.
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- Estéticas que dialogam com a simbologia dos povos.
A comunicação que praticamos não é representação — é presença. Não traduzimos a luta: somos parte dela.
O poder de representar a si mesmo
Durante séculos, fomos representados por quem nos queria calados ou deformados. Hoje, comunicamos para recuperar a palavra tomada e devolver aos nossos o espelho onde possam se ver com dignidade. A Caipora não fala pelos povos indígenas. Fala com eles, desde eles, como eles.
Isso exige compromisso editorial com:
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- A centralidade da autoria indígena;
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- A produção coletiva, em rede e com escuta atenta;
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- A autonomia criativa para experimentar, errar, recomeçar;
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- O cuidado com as imagens e os símbolos, para que nunca sejamos folclore ou vitrine.
A teia viva das narrativas
Cada edição da Caipora é um ninho. Nela cabem:
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- Terra e Cultura: onde ritual, espiritualidade e cotidiano caminham juntos;
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- Memória e Futuro: onde o passado não é saudade, mas arma, e o futuro se constrói com os pés firmes no chão;
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- Arte e Identidade Visual: onde grafismos, colagens, ilustrações e fotografia documental recriam nossas paisagens afetivas;
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- Denúncia e Esperança: onde a dor vira fala e a fala vira caminho.
Nossa pluralidade é insurgente. Não para agradar, mas para descolonizar profundamente a forma como olhamos, sentimos e narramos a vida.
Somos muitas vozes. Somos muitos caminhos. Mas um só chamado: o de retornar ao centro da floresta, onde a palavra é raiz e a escuta é sagrada.
V. Cultura Visual e Narrativas de Poder
A imagem não é apenas representação — é território. E, como todo território, pode ser invadido, colonizado ou retomado. A cultura visual da Caipora é uma forma de retomada simbólica: descolonizar o olhar é tão urgente quanto demarcar a terra.
Por séculos, corpos e culturas indígenas foram enquadrados por lentes coloniais. Fotografados como relíquias, exotizados como “outros”, apagados como se não existíssemos no agora. A Caipora se levanta contra essa lógica, para construir uma visualidade insurgente, onde a imagem não captura, mas liberta.
A imagem como território de disputa
Toda escolha estética é também uma escolha política. Rejeitamos as imagens que nos folclorizam, silenciam ou congelam em um passado inventado. Nosso compromisso é com a autorrepresentação viva — com imagens produzidas por nós, para nós, desde nossos próprios modos de ver o mundo.
Nosso campo visual se orienta por princípios de:
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- Autonomia estética indígena: nossos grafismos, rituais, pinturas corporais e arte oral não são ornamentos — são saberes.
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- Fotografia ética: feita por comunicadores indígenas ou com consentimento comunitário, respeitando o tempo, os ritos e a coletividade.
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- Arte como memória e flecha: a criação visual não é somente celebração, mas também denúncia, contraataque, contraimagem.
Narrar com o traço, com a cor, com o corpo
Nosso design editorial é uma extensão da cosmologia dos povos. Não seguimos o padrão eurocêntrico da diagramação racional e linear. Nossa lógica é circular, como o movimento das danças rituais, das assembleias, das histórias contadas ao redor do fogo.
Isso se traduz em:
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- Cores da terra: tons de barro, verde denso, ocre, azul de rio, preto de jenipapo.
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- Formas orgânicas: que evocam folhas, trilhas, raízes, corpos em movimento.
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- Tipografia inspirada em traços ancestrais: evocando a oralidade no desenho das palavras.
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- Diagramação viva: onde texto e imagem dançam juntos, sem hierarquia rígida, como numa reza que incorpora o mundo.
Grafismo é território, e território é sagrado
Cada grafismo carrega uma história, uma linhagem, um ensinamento. Não usamos arte indígena como estilo — usamos como linguagem. Cada linha, cada repetição, cada cor carrega um código, uma ética, um pertencimento. E isso exige respeito, cuidado e compromisso coletivo.
A Caipora entende que a estética não é forma: é vida em forma de resistência.
Comunicação visual como insurgência
Contra o olhar colonial que nos fragmenta, oferecemos um olhar desde dentro, de quem conhece a floresta com o tato, de quem lê o céu como texto sagrado, de quem pinta o corpo para lembrar que ele é território.
Nossas imagens:
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- Revelam o invisível.
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- Reencantam o que foi dessacralizado.
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- Reafirmam que existir é também criar, compor, registrar com olhos de mundo e alma de ancestral.
Narrar com a imagem é um gesto de retomada. Ao assumir a cultura visual como um campo de poder, a Caipora transforma cada edição em uma reza gráfica, uma pintura de guerra, um mapa espiritual.
Se o colonizador tentou nos apagar com a imagem, nós contra-atacamos com a nossa própria luz.
VI. Terra, Corpo e Território
Para os povos indígenas, a terra não é um bem — é um ser. Um ser vivo que respira, sente, comunica e guarda as memórias de todas as gerações que por ela passaram. Território é corpo, e corpo é terra. São inseparáveis.
A Caipora parte desse princípio para construir sua atuação comunicacional. Não há separação entre o que se vive, o que se diz e o chão que se pisa. Por isso, comunicar é também uma forma de proteger o território e os corpos que nele habitam — humanos, espirituais, vegetais, animais e encantados.
A terra como entidade viva
Na cosmologia dos povos originários, a Terra é Mãe. É quem nutre, ensina e corrige. Mas também é alvo constante de invasões, grilagens, cercamentos e envenenamentos. A terra queimada é o corpo ferido do mundo. Quando um território é atacado, um povo sangra.
A Caipora denuncia essas feridas. Somos vigilantes diante da expansão do agronegócio, da mineração, das hidrelétricas e de todas as formas de colonialismo territorial. Cada reportagem, imagem ou podcast é uma forma de escudo — um ponto de vigília em defesa da Mãe Terra.
O corpo como extensão do território
Nossos corpos carregam a memória do chão. São marcados por rituais, pinturas, danças, curas. Mas também pelas violências: estupros, assassinatos, exílios, desnutrição, apagamento de gênero, esterilizações forçadas. A colonialidade se inscreve na carne.
A Caipora se compromete a tornar visível a dimensão corporal da luta indígena. Valorizamos o corpo que reza, o corpo que dança, o corpo que pinta, o corpo que denuncia, o corpo que resiste. Porque todo corpo indígena é também um território em disputa.
A comunicação como extensão do território
Não ocupamos apenas territórios físicos — ocupamos territórios simbólicos, espirituais, midiáticos. E a comunicação é um desses campos de batalha.
Nosso trabalho se estrutura a partir de três dimensões do território:
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- Física – onde há disputa fundiária, destruição ambiental, remoções forçadas e conflitos com o capital.
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- Cultural – onde o apagamento da língua, dos ritos, dos nomes e das memórias tenta apagar a existência coletiva.
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- Simbólica – onde a palavra, a imagem e o imaginário se tornam campo de afirmação ou de opressão.
A palavra é flecha. A câmera é borduna. A arte é flecha encantada.
Defender a terra é defender a vida
Na lógica capitalista, a terra é recurso. Na lógica da vida, a terra é parente. Comunicar isso é nossa missão: romper a ideia de que território é solo vazio. Reafirmar que o território é espiritualidade, é cuidado, é lar, é ancestralidade, é projeto de futuro.
Cada território indígena é uma biblioteca viva, um hospital natural, uma universidade dos saberes. Atacar a terra é atacar o futuro.
VII. Comunicar para Transformar
Na Caipora, comunicação é prática de transformação, não apenas de informação. Não nos limitamos a noticiar fatos ou descrever realidades: buscamos romper cercas narrativas, desmontar discursos de dominação e semear palavras que germinem em ação.
Cada conteúdo que publicamos é um gesto de insurgência. Não viemos para descrever o mundo como ele é — viemos para desenterrar o mundo como ele pode ser. Comunicamos para convocar, despertar, tensionar e construir. Somos uma etnomídia que parte do território para agir sobre ele.
Comunicação como prática política
Não há neutralidade possível em um mundo onde a floresta arde, onde lideranças são assassinadas, onde as vozes indígenas são silenciadas ou instrumentalizadas. Nossa comunicação é anticolonial, posicionada e comprometida com a justiça.
Publicamos para:
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- Mobilizar movimentos, comunidades e aliados.
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- Denunciar as estruturas de poder que sustentam a violência contra os povos indígenas.
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- Educar a partir dos saberes ancestrais, em diálogo com os desafios do presente.
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- Inspirar formas plurais de existir, viver e resistir.
Da denúncia à proposição
Nossos materiais não se limitam à denúncia. Eles apontam caminhos. Celebram alternativas já vivas nos territórios: escolas indígenas, retomadas, projetos agroflorestais, etnomídias comunitárias, espiritualidades vivas, redes de cuidado. Para nós, resistência também é proposição.
Cada reportagem, podcast ou ensaio fotográfico tem um horizonte: provocar mudanças materiais, simbólicas e institucionais. Queremos que nossas palavras toquem a realidade — e a transformem.
Ética editorial insurgente
Nosso compromisso com a transformação começa no modo como produzimos nossos conteúdos. Nossos princípios editoriais não são apenas estéticos, são políticos:
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- Autoria indígena prioritária.
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- Escuta respeitosa e coletiva.
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- Respeito aos protocolos culturais dos povos.
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- Consentimento claro de todas as fontes.
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- Recusa de simplificações ou estereótipos.
Publicamos com a raiz no território e os olhos no horizonte.
Comunicação como ferramenta de cura
Ao documentar violências, também tocamos feridas abertas. Por isso, nosso trabalho também é uma forma de cuidado. A comunicação pode ser também um remédio: quando reconecta um jovem à sua ancestralidade, quando honra uma liderança perdida, quando protege uma memória sagrada. Curamos contando histórias.
Redes para o Bem Viver
A Caipora não é um fim em si mesma. É nó em uma grande rede. Ao comunicar, buscamos costurar alianças entre comunicadores, educadores, lideranças, artistas, pesquisadores e povos em luta. Cada material publicado é uma oferenda, uma convocatória, uma ferramenta de articulação.
Comunicar é fazer território. Comunicar é plantar futuro. Comunicar é viver.
VIII. Uma Comunicação do Centro da Terra
A Caipora rejeita a geopolítica colonial que desenhou os centros do mundo longe dos territórios indígenas. Não acreditamos em um centro que se impõe a partir da metrópole, do capital ou da universidade. Para nós, o verdadeiro centro pulsa no coração da floresta, na batida do maracá, no silêncio das pedras, na memória dos ossos enterrados, nas vozes que brotam do chão.
A nossa é uma comunicação do centro da Terra, não do topo da pirâmide. Ela não fala de cima para baixo — ela fala do dentro para fora. É comunicação que emerge das entranhas do território e se derrama como rio em busca de outros corpos. Comunicar, aqui, é escavar a palavra até encontrar a raiz.
O centro são os territórios vivos
Para a Caipora, o centro está:
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- Nos povos que permanecem apesar do genocídio.
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- Nas aldeias, retomadas, quilombos e comunidades ribeirinhas que cultivam saberes, comida, redes e futuro.
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- Nas roças tradicionais, nos desenhos dos grafismos, nas cantigas de ninar em língua originária.
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- Na luta dos estudantes indígenas em universidades, nas assembleias comunitárias, nas rodas de conversa em torno do fogo.
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- Nas tecnologias da floresta: a oralidade, a pintura, a cura, a narrativa, o sonho.
Esse é o centro que nos move — não aquele que concentra poder, mas aquele que irradia vida.
Territorialidade das palavras
Nossas palavras têm chão. Não se pretendem neutras, universais ou “objetivas” nos moldes do jornalismo branco. São palavras-partes-de-corpos, pedaços de histórias, cantos de luta. Carregam o barro vermelho do cerrado, o cheiro do breu, a força dos encantados.
Produzimos conteúdos com consciência territorial e responsabilidade ancestral. Nossa escrita é gesto de reexistência. Nosso áudio é memória em movimento. Nossa imagem é presença. Cada frase tem origem, tem comunidade, tem espírito.
Cosmologia como metodologia
Enquanto a comunicação hegemônica busca velocidade, viralização e lucro, nós buscamos:
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- Círculo, não linha.
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- Escuta, não pressa.
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- Ritual, não rotina.
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- Vínculo, não audiência.
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- Palavra viva, não conteúdo morto.
Nossos modos de produzir, editar e publicar seguem os tempos da floresta, não os relógios da metrópole. Seguimos os fluxos dos territórios, ouvimos os ciclos da lua, respeitamos os silêncios sagrados.
Território como centro de linguagem
A Caipora não tem sede fixa: ela habita onde há luta, onde há canto, onde há palavra insurgente. Cada comunidade é um núcleo. Cada comunicador indígena é um centro. Cada ponto de resistência é um pulsar da nossa plataforma. Somos descentralizados por escolha — porque o centro somos todos nós.
Comunicação espiritual e política
Do centro da Terra também nascem os encantados, os espíritos protetores, os antigos. Nossa comunicação não é laica no sentido ocidental — ela é sagrada no sentido indígena. Aqui, a imagem é também oferenda, a palavra é também reza, o texto é também ritual.
A Caipora comunica com os vivos e com os que já se ancestralizaram. Comunicamos com o visível e com o invisível. Comunicamos para proteger o mundo que ainda pulsa no sonho dos antigos.
IX. Convocação Final — Queimamos Palavras para Iluminar Caminhos
A Caipora não é apenas uma plataforma de comunicação. É uma flecha lançada das florestas contra o coração do mundo colonial. É uma fogueira acesa para quem caminha no escuro do esquecimento. É uma rede viva de narradores que escrevem com o corpo, com o território e com a ancestralidade.
Não nos basta informar. Não nos basta denunciar. Nosso chamado é insurgente, ritualístico e político. Publicamos para provocar movimento, para acender indignações e para alimentar sonhos possíveis, ainda que difíceis.
O chamado da Caipora é para você que:
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- Sabe que a terra está em guerra e não quer ser cúmplice do silêncio.
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- Carrega no peito a raiva justa de séculos de apagamento.
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- Acredita que as palavras podem ser lanças, que as imagens podem ser escudos e que a comunicação pode ser aldeia.
Essa é a sua convocação.
Pedimos que caminhe conosco:
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- Se você acredita que o jornalismo pode ser território.
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- Se você entende que a estética é campo de batalha.
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- Se você respeita os tempos das comunidades e as vozes dos mais velhos.
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- Se você reconhece que não se descoloniza o mundo sem antes descolonizar os próprios sentidos.
A Caipora é verbo em movimento. É encantaria editorial. É cosmopolítica comunicacional. É corpo em luta.
Aqui, publicamos para proteger. Denunciamos para cuidar. Nomeamos para curar. Nosso objetivo é outro mundo — onde a comunicação não seja instrumento de dominação, mas sopro de vida.
Respondemos ao chamado da floresta.
Agora, chamamos você.
Seja comunicador, seja ouvinte, seja leitor, seja aliado. Traga suas palavras, suas câmeras, seus microfones, suas mãos. Traga seu silêncio também, se for para escutar.
Porque a floresta fala.
Porque o território escreve.
Porque a Caipora não é apenas uma plataforma: é um levante narrativo que dança ao redor do fogo da memória.