Carta de Principios da Caipora
Carta de Princípios da Plataforma Caipora – Etnomídia Indígena como Prática de Resistência e Autonomia
Caipora nasce como um território comunicacional indígena, enraizado nos saberes ancestrais e na insurgência contemporânea dos nossos povos. Mais que um veículo de mídia, é uma plataforma de autonomia narrativa, resistência política, fortalecimento cultural e formação de comunicadores indígenas comprometidos com a vida, a terra, o bem viver e a pluralidade de vozes originárias.
Esta Carta de Princípios estabelece os fundamentos éticos, políticos e espirituais que regem a atuação dos comunicadores e colaboradorxs indígenas da Plataforma Caipora, não apenas na produção de conteúdo, mas em todas as dimensões da presença e ação no mundo.
1. Territorialidade e Autodeterminação
A atuação na Caipora deve respeitar, afirmar e defender a autodeterminação dos povos indígenas, suas formas próprias de organização, espiritualidade, modos de vida e relações com os territórios. A comunicação é uma extensão da luta pela terra, pela demarcação, pela retomada e pelo Bem Viver. Todo conteúdo e ação da Caipora deve reforçar essa base de pertencimento coletivo.
2. Comunicação como Ferramenta de Luta e Descolonização
A Caipora compreende a comunicação como espaço de disputa política e epistêmica. Recusamos as lógicas coloniais da mídia hegemônica, do silenciamento e da espetacularização da dor indígena. Nossa comunicação se baseia em narrativas próprias, com vozes plurais e posicionadas, guiadas pela memória, resistência, denúncia e afirmação de saberes ancestrais.
3. Pluralidade dos Povos e Respeito à Diversidade
A plataforma acolhe a multiplicidade de povos, línguas, culturas, identidades e cosmologias indígenas do território brasileiro e além. Nenhuma voz será sobreposta ou homogeneizada. Todo comunicador Caipora tem o dever de respeitar as diferenças territoriais, sexuais, geracionais, de gênero e espiritualidade entre os povos e indivíduos.
4. Ética Ancestral e Cuidado Coletivo
Nos guiamos por uma ética do cuidado, do respeito aos mais velhos, do compromisso com as futuras gerações, e da escuta verdadeira entre parentes. A comunicação não pode ferir, expor ou prejudicar nossas comunidades. Toda atuação deve ser guiada pela coletividade, pelo bem comum e pela não-reprodução da lógica do ego, da vaidade ou da exploração individualista da imagem e da fala indígena.
5. Autonomia e Autoria Indígena
A autoria indígena é princípio irrenunciável da Caipora. Os conteúdos publicados devem ser produzidos, pensados ou mediados por indígenas, com protagonismo real e direito pleno à sua narrativa, imagem e voz. Não há espaço para apropriação, cooptação ou colonialismo interno. A autonomia dos comunicadores será sempre respeitada, desde que alinhada a esta Carta.
6. Formação Contínua e Troca de Saberes
A Caipora é também um espaço formativo, onde comunicadores indígenas aprendem, ensinam e crescem em rede. Valorizamos tanto as tecnologias digitais quanto as tecnologias dos encantados, das fogueiras, das cantorias, da oralidade e do grafismo. O compromisso com a formação contínua, a troca entre gerações e territórios, é um dever político e espiritual.
7. Aliança com as Lutas dos Povos
A comunicação feita na Caipora deve estar aliada às lutas dos movimentos indígenas, das retomadas, das escolas diferenciadas, das universidades, das casas de estudantes, das mulheres e juventudes indígenas. A atuação do comunicador não se encerra na publicação: é corpo presente nas assembleias, nos acampamentos, nos mutirões, nas caminhadas e nos cantos.
8. Transparência, Cooperação e Anticapitalismo
A Caipora rejeita modelos hierárquicos, empresariais ou mercantilistas de comunicação. Buscamos uma prática horizontal, transparente e cooperativa. O acesso à produção e difusão de conteúdo será sempre comunitário e acessível. Recursos obtidos serão geridos coletivamente com prioridade para formações, infraestruturas e apoio a comunicadores em situação de vulnerabilidade.
9. Proteção Espiritual, Digital e Territorial
Defendemos não apenas a segurança física e digital dos comunicadores, mas também a proteção espiritual e energética. Todo conteúdo deve respeitar os limites daquilo que pode ou não ser partilhado, segundo os princípios sagrados de cada povo. É proibida a exposição de rituais, nomes sagrados, imagens ou saberes sem a devida autorização das lideranças e guias espirituais.
10. Compromisso com a Verdade dos Povos
A verdade que defendemos não é a da neutralidade ocidental, mas a verdade insurgente dos povos: aquela que nasce da terra, da dor, da história e da dignidade. Todo conteúdo produzido na Caipora deve partir do compromisso com essa verdade coletiva, com rigor, responsabilidade e coragem.
Esta Carta de Princípios é viva. Será constantemente revisada e reforçada em assembleias, encontros de comunicadores, mutirões de etnomídia e decisões coletivas. Seu espírito é coletivo, e sua palavra é ancestral.
Caipora não é uma marca, é um movimento. É floresta viva de vozes que não se rendem.